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Cabine de Imprensa – “Doutora Liza” (Doctor Liza) – 120 min
desconexao leitura setembro 23, 2021 0
“A alegria de fazer o
bem é a única felicidade verdadeira.”
(Liev Tolstoi)
“O justo se informa da
causa dos pobres, mas o ímpio nem sequer toma conhecimento.”
(Provérbios, 28:27)
Elizaveta Petrovna Glinka é uma figura muito querida na
Rússia, ela é uma ativista humanitária das mais persistentes. Dedicou sua vida
aos mais necessitados, aos desvalidos, às crianças vítimas de guerras ou de
incêndios, aos moradores de rua e a todos que precisam de ajuda médica e não
têm como obtê-la. Formou-se em medicina ainda no época da U.R.S.S., viveu um
tempo nos Estados Unidos da América e especializou-se em medicina paliativa
(para doentes terminais). No final dos anos 90, trabalhou no Hospital de
Oncologia de Kiev, onde organizou uma unidade de cuidados paliativos. A
“Doutora Liza”, como era conhecida, em 2007 criou na Rússia o fundo de caridade
“Ajuda Justa” destinado a atender os mais pobres e os sem-teto.
A história narrada no filme se passa em 2012. Sua luta
incansável por pessoas desprotegidas é mostrada tendo como pano de fundo uma
sociedade muito fechada, cheia de regras rígidas, que acabam por deixar num
plano mais que secundário as necessidades humanas mais básicas. O terror, a
opressão, a perseguição estão em todo lugar, transpiram em cada ambiente,
regras excessivamente burocratizadas tornam a vida dos profissionais de saúde
bastante difícil. Em um Estado feroz, o sistema tem que funcionar a qualquer
preço. A vida humana torna-se só um detalhe, o que faz do outro desassistido um
vulnerável incapaz em situação de risco. Vigiar e punir, como diria o filósofo
Michel Foucault, é uma imposição social que beira o ridículo e a tragédia. A
fúria do demônio da vontade de dominação impõe seus preconceitos. Liza é
discriminada por fazer bem o ofício a que se dedicou, ou seja, por cuidar de
gente, protegida ou não pelo manto sinistro do Estado. Coisas de uma sociedade
que está à beira do cinismo.
Um conto de fadas santificado. A Índia teve em seu território
a Madre Teresa de Calcutá, que um certo dia ouviu o chamado interior e decidiu
abandonar o noviciado e se dedicar aos necessitados. O Brasil contou com a
presença dadivosa de Irmã Dulce, que dedicou sua vida a alimentar as pessoas
com o pão do espírito e a proteção da carne. A Rússia nos revela, com esse
filme, essa “Doutora Liza” como uma campeã da solidariedade aos deserdados
sociais. Um filme-testemunho da maior importância.
Serioja, o major Kolesov, conselheiro senior de crimes graves do Serviço
Federal de Controle de Drogas, é designado para investigar as ações dessa
médica impertinente. Acaba por descobrir mais sobre si próprio e sobre a vida
do que ele mesmo esperava. A família de Liza é composta por Gleb, um marido
amoroso, dois filhos do casal e um adotado. Todos se sentem um pouco
abandonados por ela, mas também verdadeiramente gratificados por tê-la como
esposa e mãe.
A atriz Chulpan Khamatova - que já tinha nos brindado com
boas atuações em filmes como “Adeus Lenin”, “Doctor Zhivago” ou “O País dos
Surdos” – compõe uma Dra. Liza com a garra e a sutileza que a personagem
merece. Sua caracterização evoca com clareza a pessoa real dessa militante pelos
quês e porquês dos necessitados. Loura, cabelos curtos e um olhar que oscila
entre uma determinação absurda e uma profunda abnegação pela causa que escolheu
defender.
Legenda sobre o destino de Liza que aparece no final do
filme:
Elizaveta Petrovna Glinka – morre em 25 de dezembro de 2016.
Acompanhava uma carga de medicamentos à Síria. Às 2h55 o avião desapareceu dos
radares na área do Mar Negro.
“Doutora Liza” (Doctor Liza) – Rússia – 2020 – 120 min
Direção: Oksana Karas
Elenco: Andrey Burkovskiy – Chulpan
Khamatova – Konstantin Khabenskiy – Andrzej Chyra – Filipp Avseev – Aleksei
Agranovich – Timofei Tribubuntsev – Evgeniy Pisarev – Sergei Sosnovskiy – Iulia
Aug – Elena Koreneva – Tatyana Dogileva
Marco Guayba
Ator, diretor, preparador
de elenco e Mestre em Letras
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