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[Crítica] Teatro – “Medeia por Consuelo de Castro” - 2021
desconexao leitura abril 09, 2021 0
“A princesa da Cólquida, que Jasão tirou de sua pátria e abandonou em terra estranha, é sobretudo a mulher que opõe à ofensa e ao sofrimento o caráter desmedido de sua paixão.”
Albin Lesky
“O que a distingue dos outros é a sua excepcionalmente
visceral noção de teatralidade, um diálogo notavelmente colorido, que ela
[Consuelo de Castro] cria com uma espantosa espontaneidade, e uma inquietação
que a faz partir sempre em busca de novos caminhos”
Yan Michalski
A premiada dramaturga Consuelo de Castro gostava de
experimentar estilos diversos de dramaturgia. Produzia, em suas peças de
teatro, um diálogo forte e inquisitivo, e mergulhava na psicologia das
personagens com uma profundidade devastadora. Em 1997 escreveu a moderníssima “Medeia: Memórias do Mar Aberto”, uma releitura da obra clássica de
Eurípides, trágico grego do século V a.C. O ponto de vista de sua peça é o da
mulher. A partir daí, ela parte para alterar alguns elementos da peça clássica.
Introduz Absirto, o irmão de Medeia, uma personagem que só existia na aventura
dos Argonautas. Conjetura metalinguísticamente a ação de Téspis (o primeiro
ator) como aliado da feiticeira. Altera o formato da cena da morte dos filhos,
reescrevendo seu papel no sofrimento da protagonista. E, por fim, introduz
muitos elementos da política contemporânea, com seus conflitos entre o horror
da ditadura e os valores da democracia.
Como parte dos festejos para comemorar seus 10 anos de
atividades, a Cia. BR 116 programou a montagem da peça dessa instigante autora,
morta em 2016, rebatizando-a como “Medeia
por Consuelo de Castro”. Devido à pandemia fizeram o que eles chamam de um
teatrofilme, combinando as linguagens do cinema e do teatro e, de uma certa
maneira, das artes plásticas. Os artistas da Cia foram para o sacrifício e
dobraram suas funções para que esse projeto pudesse ser realizado.. O diretor
conta que aliar essas diversas linguagens potencializou o espetáculo.
O teatrofilme mantém o clima do que seria a encenação de uma
tragédia. Posturas hieráticas e dicção avassaladora. Monólogos grandiosos e de
um impacto tremendo. Medeia: deusa-mulher, aguerrida, bela e sensual, dominando
as artes do amor que fazia com que os homens a desejassem, mãe desesperadamente
sofrida, tudo nela é intenso. Sofre traição política e amorosa. Não suporta e
não aceita a pérfida desfeita de Jasão, o homem por quem ela abandonou tudo:
pátria, família, religião, costumes, status de princesa e sua identidade mais
profunda. Medeia sofre por saber que sua devastação interior como ser de nada
serviu. Ela está o tempo todo à beira de um precipício que não permite a
serenidade e a bem-aventurança.
Bete Coelho mergulha nessa personagem como uma verdadeira
guerreira das artes cênicas, mantendo um autodomínio incrivelmente potente
mesmo tendo que fazer as falas mais violentamente iradas ou tomadas por uma
amargura profunda. Ela passeia pelo abismo da interpretação com um tranquilo
equilíbrio característico dos grandes artistas. Aliás, todos os atores da Cia
BR 116 se comportam com o rigor esperado para uma montagem desse porte. A
direção soube extrair do coletivo os melhores frutos e a unidade de atuação que
mantém o espetáculo coeso e cravando
impiedosamente no coração do espectador uma experiência estética
verdadeiramente admirável.
“Medeia por Consuelo de Castro” – Brasil – 2021 – Drama/Tragédia – 62
min
Para Ismael Fernandes
Texto: Consuelo de Castro
Direção: Gabriel Fernandes e Bete Coelho
Com: Bete Coelho (Medeia) – Michele
Matalon (Ama) – Luiza Curvo (Glauce) – Flavio Rochaa (Jasão) – Roberto Audio (Creonte)
– Matheus Campos (Absirto)
Fotografia: Gabriel Fernandes
Consultor de fotografia: Inti Briones
Direção de arte,
cenografia e figurino:
Cassio Brasil
Assistente de direção: Theo Moraes
Operadora de luz: Sarah Salgado
Câmera: Cacá Bernardes e Gabriel Fernandes
Edição: Gabriel Fernandes
Finalização: Bruna Lessa
Direção musical:
Felipe Antunes
Músicos: Fabio Sá – Felipe Antunes – Otavio
Carvalho – Sergio Machado – Allan Abbadia – Guilherme Held – Marcelo Bonin –
Victória dos Santos – Wanessa Dourado
Música original:
Felipe Antunes e Fabio Sá
Voz na
canção final: Tulipa Ruiz
Marco Guayba
Ator, diretor,
preparador de elenco e Mestre em Letras
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