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[Crítica] “A Máquina do Desejo – Os 60 Anos do Teatro Oficina”
desconexao leitura abril 27, 2021 0
“Quando o artista descobre novas realidades, porém,
ele não o consegue apenas para si mesmo; ele realiza um trabalho que interessa
a todos os que querem conhecer o mundo em que vivem, que desejam saber de onde
vêm e para onde vão.”
Ernst Fischer
“Na obra de arte, o Belo fala a linguagem libertadora,
invoca as imagens libertadoras da sujeição da morte e da destruição, invoca a
vontade de viver. Este é o elemento emancipatório na afirmação estética.
Herbert Marcuse
O Teatro Oficina nasceu da inquietude de José Celso Martinez
Correa e seus parceiros das cenas da vida e do palco. Desde o início sua
vocação era para a transgressão, o confronto com uma sociedade paralisada por
valores considerados ultrapassados e estéreis, a ruptura com as estéticas conservadoras
na arte teatral brasileira, buscando sempre um teatro livre de dogmas e clichês
pré-estabelecidos.
O filme faz um vasto apanhado de um rico acervo de imagens e
gravações dos vários momentos do Teatro Oficina nas seis décadas de sua
existência. Durante esse período, influenciou ou dialogou com vários artistas e
movimentos culturais no Brasil. Desse modo, podemos ver presenças como Caetano
Veloso e o Tropicalismo, Lina Bo Bardi, Glauber Rocha, Oswald de Andrade e a
Antropofagia, Augusto Boal e o Teatro de Arena e muitos outros. Um teatro que
buscou sempre a provocação e a quebra possível da relação palco platéia,
buscando incorporar o espectador ao espetáculo, tirando-o do lugar passivo do
teatro convencional para um envolvimento cada vez mais amplo com os espetáculos.
Zé Celso buscou continuamente a transformação dos concertos
teatrais que montava em um grande ritual coletivo, uma alegre (mesmo quando
trágica) celebração da criação artística e de uma vida mais plena de vivências
e experimentações estéticas. Um mergulho no fogo excelso de Dioniso buscando vencer
os limites da liberdade e do prazer. O êxtase, o rompimento dos padrões
impostos pela sociedade, o entusiasmo, a força de uma energia que rompe com a
escravização do ser aos protocolos do outro. Tarefas impossíveis em sua
radicalidade absoluta.
Inquieto, criativo, ousado, inventivo, abusado, enlouquecido,
maravilhoso, esfuziante, dionisíaco, pensador da cultura, devorador da cultura,
desafiador da cultura, guerreiro da paz, lutador das artes cênicas, o mais
mundano dos guerreiros da luz. Entre outras coisas, mas de uma maneira não
doutoral nem sentenciosa, supomos que Zé Celso comunga com a idéia de que o teatro estuda ou
reflete as múltiplas relações entre homens e mulheres no bojo da sociedade, da
história; não se fecha na contemplação de cada sujeito indivídualmente; não é
um mero entretenimento para um fim de noite agradável.
Teatro é tensão, confronto, contradição,
luta de vontades e de ideias, turbilhão, combate pela existência da arte e do
que há de mais humano em cada pessoa, é política de corpos, de movimento de
subjetividades em uma prática coletiva, de despreendimento, de ruptura com o
status quo repressivo e resistente a todas as mudanças.
Teatro é paixão.
Paixão política em franca incandescência. Política aberta, pura,
resplandecente, uma maneira mundana santificada, volátil, mergulhada no vórtice
da existência. Uma magia épica transformadora. Uma política do desejo, máquina
do desejo, ebulição vertiginosa do desejo onde a dimensão onírica festeja os
afetos e os gozos, embora concretamente se arremete contra as pedras de tudo
que se mostre como entulho civilizatório, que obstrui a passagem da poesia, da
imaginação e dos afetos.
“A Máquina do Desejo – Os 60 Anos do Teatro Oficina”
– Brasil – Documentário - 120 min
Direção: Lucas Weglinski e Joaquim Castro
Marco Guayba
Ator, diretor,
preparador de elenco e Mestre em Letras
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