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[Crítica] A Despedida
desconexao leitura março 26, 2021 0
“Agora sei quando será a última de todas as manhãs –
quando a Luz não mais espantará a Noite e o amor – quando o sono eterno se
igualará a um sonho uno, interminável. “
Novalis
Farewell. Mulher reúne as pessoas que lhe são
mais próximas para um tranquilo encontro de toda família. Será uma despedida,
pois decidiu que não tem mais condições de enfrentar a doença que a consome
inarredavelmente. Mas nada é tão simples assim, o conflito humano está onde
menos se espera. Muita água vai correr por debaixo dessa ponte, com direito a
plot twist fajuto, ou melhor, alarme falso, e tudo o mais.
Ataxia e Pathos. Lily tem um braço já paralisado,
anda com dificuldade e tem a previsão médica de que gradativamente vai perder
todas as suas funções motoras: não vai poder andar, segurar coisas, engolir ou
respirar senão por aparelhos. Precisará que outras pessoas cuidem dela em
praticamente todos os aspectos de sua vida. Isso é terrível pra quem sempre se
considerou uma mulher moderna, autônoma e independente.
Drama e Pentobarbital.
Estão presentes seu parceiro de toda uma vida, Paul, suas duas filhas, Jennifer
(a careta) e Anna (a bipolar), os respectivos maridos, o neto que quer ser ator,
Jonnathan, e sua melhor e imprescindível amiga (Liz) desde os tempos de
Woodstock, festival em que elas não estiveram, mas vivenciaram por tabela. Tudo
se passa no mesmo espaço: a casa que a própria Lily construiu. Um lugar amplo, ventilado,
clean e sempre muito limpo. Em dois dias todos esses personagens expressam e
transbordam sentimentos e frustrações. E, ao final de tudo, há o comovente
ritual da viagem.
Um Álibi Nada Casual. Lily
quer fazer o que ela precisa fazer enquanto ainda está consciente, enquanto
ainda pode decidir sobre a sua própria vida.
Ela diz que está pronta. Mas nem todos estão pacíficos com relação a
essa lógica. Como querer tratar como racional o que é profundamente emocional?
É um pouco de loucura. E também não é. Pessoas que optam por tomar decisões tão
extremas “costumam ser inteligentes, articuladas, analíticas e profundamente
controladoras.”
A Última Ceia Não É
para os Torpes. A
fotografia é limpa. Tem um colorido suave e quase diáfano. Os enquadramentos e
a montagem obedecem a uma simplicidade de quem não quer incomodar os intérpretes
e a cena. Os atores estão bem afinados, como se fizessem parte do mesmo doce
espalhafato por muito tempo. Susan Sarandon impõe a sua dramaturgia com
sutileza e com uma energia que em nenhum momento descamba para o peso
acabrunhante do sofrimento como espetáculo. É um filme leve e afetivamente doloroso,
suave e intimamente denso, embora desprovido de asperezas. Com certeza não é um
Bergman. Muito menos um Nelson Rodrigues.
A Súbita Liberdade
Diante da Morte. O
desejo é contraditório. Essa é a sua estrutura. Um desejo recalca outros desejos.
A região do oculto está sempre lá, sem entregar totalmente todos os seus
enigmas e segredos. E por mais que se saiba, nunca se sabe realmente o que se
é. Ou a integralidade do que é o seu próprio destino.
Epílogo. Um carro indo embora. O pai sai à
rua. Caminha. Uma música soa.
“A Despedida” (Blackbird) – EUA – 2019 – 97 min
Direção: Roger Michell
Roteiro: Christian Torpe (baseado em seu
próprio livro “Silent Heart”)
Fotografia: Mike Eley, BSC
Edição: Kristina Hetherington
Música: Peter Gregson
Com: Susan Sarandon – Kate Winslet – Mia Wasikowska – Sam
Neill – Lindsay Duncan – Rainn Wilson – Bex Taylor-Klaus – Anson Boon
Marco Guayba
Ator, diretor,
preparador de elenco e Mestre em Letras
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