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[Crítica] “O Francês” (The Frenchman)
desconexao leitura dezembro 08, 2020 0
Na Arte o que se ouve é sempre a Outra Voz.
“Deixa a palavra escorregar, / Como um jardim o âmbar
e a cidra, / Magnânimo e distraído, / Devagar, devagar, devagar.
(Boris Pasternak)
A história recente da Rússia passada a limpo. Talvez, não.
Talvez sejam apenas alguns conceitos sendo revisitados e revisados. O filme é
dedicado a Alexander Ginsburg, jornalista, poeta, ativista dos direitos humanos
e dissidente russo durante o período soviético.
A revisão de História recente de um povo tem se mostrado um
trabalho fértil, pois permite ao ser humano confrontar-se com um passado
próximo que deixou marcas profundas em sua sociedade. O que era antes regra
para um determinado sistema, pode ser também regra, guardadas as devidas proporções,
para o sistema atual.
Pierre Durand é um jovem estudante francês, membro do Partido
Comunista, que viaja até Moscou para um programa de intercâmbio estudantil. Seu
objetivo acadêmico é pesquisar a vida de Marius Petipa, considerado o criador
da escola russa de ballet. No Bolshoi conhece Kira, uma bailarina de talento,
com quem irá se envolver amorosamente. Pelas mãos do cinegrafista Valera, fará
uma jornada pela cultura viva, subterrânea, avançada de Moscou: editores
independentes, artistas modernos, músicos de Jazz.
Pierre transita entre os dois mundos: o oficial, burocrático, estagnado e
repressivo dos órgãos oficiais, principalmente os de segurança, que só se
preocupam em manter o controle social e com todo tipo de supostas
contra-revoluções. Uma teoria da conspiração pra cada cidadão. Uma medida para
cada ação. É dose.
O outro mundo: é o dos jovens, dos artistas, poetas,
escritores e toda sorte de gente que quer viver e criar com liberdade e
fraternidade, que quer a igualdade também nos direitos de cidadania e
expressão, que quer beber vodka e comer salsichas com entusiasmo sem ter que dar
conta de vigiar amigos e controlar a vida do Outro.
O jovem francês, porém, tem outra meta bastante pessoal: quer
saber sobre seu pai, um aristocrata russo que lutou ao lado do exército branco
e foi preso por volta de 1930. Sua procura esbarra o mais das vezes com normas
sem sentido, mas depois de muito vasculhar descobre que seu pai está vivo. O
encontro dos dois é tocante: diferenças de expectativas e de experiências de
vida, do estado de espírito de um jovem que quer saber sobre como é seu pai e
de um senhor que é uma degradação humana e já não tem mais esperanças.
Mas o que é um pai? Para M. Claudel, em nossa estrutura
social moderna, um pai sempre é discordante em relação à sua função, pois é um
pai carente e/ou um pai humilhado. Esta referência é em relação àquele pai da
história familiar – ou ausente dela em sua concretude (engodo de todo ser
humano preso aos laços imaginários). Não é o pai simbólico (estruturante) ao
qual a Lei remete.
Para Octavio Paz: “a poesia é a memória feita imagem e esta convertida
em voz.” O final do filme é emblemático: o fotógrafo Valera Uspensky é preso, e
enquanto o carro que o leva se afasta, a bailarina do teatro Bolshoi, Kira
Galkina, faz o sinal de V com os
dedos. A personagem (ou o cineasta)
protesta contra a opressão do passado, mas também protesta contra a opressão do
presente. Afirmação de que a luta da arte é sempre um aqui e agora.
“O Francês” (A Frenchman) – 2019 –
Rússia – 128min
Direção: Andrey Smirnov
Cinematografia: Yuriy Shaygardanov
Edição: Anna Krutiy
Com: Aleksandr Baluev – Evgenia Obraztsova – Mikhail Efremov
– Roman Madyanov - Anton Rival – Evgeni Tkachuk – Nina Drobisheva – Natalia
Teniakova – Lucy Aron – Jérémie Duval – Alexander Anisimov – Vera Lashkova
Marco Guayba
Ator, diretor, preparador
de elenco e Mestre em Letras
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