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[Critica] “AmarElo – É Tudo Pra Ontem”
desconexao leitura dezembro 18, 2020 0
“Às casas, às nossas lavras / às praias, aos nossos
campos / havemos de voltar (...) À frescura da mulemba / às nossas tradições /
aos ritmos e às fogueiras / havemos de voltar / À marimba e ao quissange / ao
nosso carnaval / havemos de voltar”
Agostinho Neto
“Crescer na esperança do aquém e do além / Do
continente e da pele de alguém / Lutar é crescer no além e no aquém / Afirmando
a liberdade da raça amém”
Abdias Nascimento
AmarElo. A obra tem como eixo a gravação do
show do rapper Emicida no Teatro Municipal de São Paulo em novembro de 2019. O
diretor Fred Ouro Preto fez circular em torno desse eixo documentos referentes
à história da luta do povo negro no Brasil; registros sobre a evolução do samba
e suas relações com o rap e com as diversas formas contemporâneas de
manifestação artística advindas da africanidade; vídeos de hip-hop e sobre
músicos negros importantes; depoimentos de militantes da luta pela liberdade e
pela dignidade; e muitas coisas mais.
Ocupar espaços.
A realização do show no Teatro Municipal não foi um acaso ou uma jogada
comercial. Mas pretendeu simbolicamente dizer que os afrodescendentes de todos
os matizes e de todas as tendências podem e devem ocupar todo e qualquer espaço
na sociedade brasileira. Nenhum lugar lhes é alheio, nenhuma porta pode estar
fechada, pois há “a necessidade de converter tragédias em potências.”
Um desfile com estilo. Pelo filme passam coisas como o
essencial Movimento Negro Unificado, a histórica e aguerrida Frente Negra
Brasileira, o Teatro Experimental do Negro, criado por Abdias Nascimento e que
nos legou Ruth de Souza, a Primeira Dama Negra do Teatro Brasileiro e que se
tornou também a Primeira Dama Negra do Cinema Brasileiro. E mais, Machado de
Assis, o nosso patrono da Academia Brasileira de Letras, Luiz Gama, poeta e
advogado de pessoas escravizadas, Mário de Andrade, um dos ícones do Modernismo
em nossa terra, os irmãos Rebouças que realizaram obras urbanas de grande
relevo. A lista é grande e não dá para citar todos.
O personagem
consciente. Emicida faz as vezes de personagem, entrevistador, cantor,
narrador, filósofo, estilista tudo isso em prol da busca da afirmação da
negritude entrelaçada com a busca da afirmação da brasilidade, resguardando a
autonomia de cada registro. Tudo isso integrado e paralelo. Todos os brasis
arteiros e militantes do Brasil para o mundo. De Marcos Valle e Fernanda
Montenegro a Cartola e Wilson das Neves. E a luta nos anos de chumbo: “Pra
haver uma efetiva democracia racial há que haver democracia.”
É Tudo Pra Ontem. Mais que um documentário é um
ensaio documental, um poema coletivo, uma música que se ouve, e se vê, com
prazer, com sabor de felicidade libertária nos lábios e no coração. Uma
verdadeira celebração. Urge que a arte seja cada vez mais “uma ferramenta
política muito potente.”
Imperdível. “AmarElo” é uma notável contribuição
do cinema à estrutura de nossa nação. É muito mais que um filme. É um libelo
pela liberdade e pela dignidade. Um testemunho de africanidade. Um manifesto
cheio de vida e poesia. É principalmente um relato particular da contribuição
da comunidade negra na cultura brasileira. Um grito de Amor.
“Além deste cansaço em outros continentes / a África
viva / sinto-a nas mãos esculturais dos fortes que são povo / e rosas e pão / e
futuro.”
Agostinho Neto
“AmarElo – É Tudo Pra
Ontem” – Brasil – 2020 – 89min
Um filme de Leandro Roque de Oliveira
Direção: Fred Ouro Preto
Roteiro: Toni C
Trilha sonora original: Janecy Nascimento, Guilherme
Garbato e Gustavo Garbato
Direção de arte:
André Juventil
Direção de animações: Felipe Macedo
Direção de ilustrações: Alexandre de Maio
Edição de som:
Gustavo Garbato
Pesquisa: Felipe Campos (Choco)
Realização: Laboratório Fantasma
Produção executiva: Raissa Fumagalli e Joelma Oliveira Gonzaga
Produção: Evandro Fióti
Um documentário original Netflix
Marco Guayba
Ator, diretor,
preparador de elenco e Mestre em Letras
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